Verão / Inverno / Verão
Walter deixou o domingo trancado dentro do apartamento, afundado no bafo que vinha da parede exposta ao sol de todo o dia, e foi se misturar aos ciclistas do parque, desviando das carrocinhas de pipoca e caldo de cana, zanzando atento entre os grupos que conversavam à sombra, espalhados na grama, fugindo do sol, clamando que viesse logo o aguaceiro para arrefecer a noite e permitir sono tranquilo. O menino de calção encardido espreitava o guarda municipal para mergulhar no chafariz do parque – não com ares de traquinagem, mas de necessidade. O brique estava movimentado – antigos LP´s, revistas que faziam regurgitar outros tempos, livros de todo estilo, porcelanas desgarradas do conjunto a que pertenceram um dia. Pensou em vasculhar as caixas de livros para ter companhia ou fuga ao longo da tarde, mas a preguiça e o calor, que davam ganas de procurar uma sombra e desligar as angústias do pensar, atrasavam seus gestos nessa direção.
Era raro ter tempo disponível, mas com um aviso de corte programado da energia elétrica voltar para casa se mostrava inconveniente. Imagine só o pesadelo de ficar sem ar condicionado por horas!?
Enquanto devaneava sobre fatos recentes e antigos, aproveitou o arremedo de biblioteca à disposição, escolheu um livro sobre o ofício de tradutor, alimentando o sonho vago de abandonar o emprego e poder se recolher num espaço quieto com suas páginas e ideias. Trabalhar com tradução se afigurava como alternativa para continuar pagando o financiamento do imóvel caso tivesse coragem de abandonar a contabilidade.
Durante esses devaneios não costumava ponderar seu conhecimento limitado de outras línguas e a falta de qualquer vivência fora do país que pudesse auxiliar nos momentos em que uma expressão regional o colocasse em xeque. Passeou pelos capítulos sem se deter em nenhum.
Deixou a leitura e o burburinho de lado, inspirou longamente e escolheu o caminho menos reto possível para gastar o entardecer. Nas ruelas por onde não costumava caminhar, dedicou o andar vagaroso – entre a indolência e o esmero dos movimentos – à contemplação das fachadas antigas. Algumas das casas, as bem conservadas, remetiam ao tempo em que o bairro era ocupado por comerciantes prósperos que, nos verões intensos, conversavam com seus vizinhos na calçada enquanto o calor não favorecia o convívio dentro das casas sem climatização. Imaginar as rotinas de antes era uma forma de dissolver o descontentamento com o agora e produzia-lhe uma satisfação improvável ao contrapor a tranquilidade de todo dia com a falta de interlocutores em sua morada e contaminava-o com aquele calor vivido pelos outros – como se sentisse um afago. Alegrava-se com as cores que o olhar ia recolhendo nos canteiros de plantas exuberantes, embora um pouco sedentas, com os retalhos de música que escapavam até a calçada. O adiamento do silêncio costumeiro dilatava essa alegria indissociável da ausência de paredes e trazia uma decisão inaudita: chamaria Andréa para assistir o pôr do sol no Guaíba, como antigamente.