Outono / Primavera / Primavera
As folhas não faziam barulho ao cair, mas seu acúmulo sobre a lâmina d’água emprestou à tarde uma tonalidade de chuva, mesmo sem os pingos, e chuva sempre causava alguma melancolia. Para não ceder à tristeza que poderia dar as caras, apressou o passo e entrou no bar, pedindo pressa ao garçom. E só. Com o ar interrogativo pairando acima da gravata borboleta é que se deu conta da imprecisão do seu pedido, riu e corrigiu-se: vodca.
Não fazia nem três minutos que consultara o smartphone para checar seus e-mails quando repetiu os comandos de modo autômato. Na caixa de mensagens uma propaganda com ofertas de produtos para jardinagem. Mas o ânimo não andava propício para trabalhos no gramado ou coisa parecida. Devolveu o celular ao bolso, corrigindo também a pressa desnecessária, acomodou-se na mesa mais próxima dos jornais e revistas e constatou que havia alguns livros disponíveis para os clientes. Achou a iniciativa interessante, embora questionasse se o álcool funcionaria bem como companhia às páginas.
Caminhar sem objetivo definido era um bom tipo de ócio, pensou, saindo com um livro embaixo do braço. Experimentou o caminho de chão batido entre os canteiros, acumulando poeira nos sapatos. De longe viu crianças que não se importavam com a terra grudando na pele, nem pareciam sentir falta de televisão ou jogos eletrônicos.
Alguém parecia ter lhe acenado de longe, mas podia ser apenas impressão sua, ainda assim devolveu o aceno e seguiu pela rota sinuosa do parque, deixando o vento morno carregá-lo num percurso leve como o movimento do balanço que havia na varanda da casa de infância, para a qual teve vontade de voltar de vez.
Antes de empreender a caminhada de volta para casa ainda tentou acomodar-se no gramado perto do antigo coreto, a sombra o acolheu e as páginas se ofereceram amareladas.
A vontade de ler não teve força suficiente, por isso se contentou em assistir à vida, mesmo sem desgrudar do volume com capa dura – uma bela edição. Lembrou-se da caligrafia caprichada que usava para assinar os livros com os quais costumavam presenteá-lo desde criança. De volta a casa onde crescera, instalado no alpendre, degustou a tranquilidade de não ter de dar ordens ou executar qualquer tarefa. A temperatura amena que encontrara ali fazia entender que sua ação era dispensável, fosse no trabalho ou na manutenção de suas pequenas manias – o jeito de dobrar as camisas, a forma de ordenar os livros na estante.
Atirado na cadeira antiga, cerrou os olhos para aproveitar as constatações recentes. O livro caiu no chão e o acordou, mas não desbotou o riso que veio ao lembrar do sonho – era garoto ainda e se deleitava com um pirulito espiral multicolorido enquanto a mãe regava o jardim onde os lírios começavam a florescer.