Outono / Inverno / Inverno
As folhas não faziam barulho ao cair, mas seu acúmulo sobre a lâmina d’água emprestou à tarde uma tonalidade de chuva, mesmo sem os pingos, e chuva sempre causava alguma melancolia. Para não ceder à tristeza que poderia dar as caras, apressou o passo e entrou no bar, pedindo pressa ao garçom. E só. Com o ar interrogativo pairando acima da gravata borboleta é que se deu conta da imprecisão do seu pedido, riu e corrigiu-se: vodca.
Não fazia nem três minutos que consultara o smartphone para checar seus e-mails quando repetiu os comandos de modo autômato. Na caixa de mensagens uma propaganda com ofertas de produtos para jardinagem. Mas o ânimo não andava propício para trabalhos no gramado ou coisa parecida. Devolveu o celular ao bolso, corrigindo também a pressa desnecessária, acomodou-se na mesa mais próxima dos jornais e revistas e constatou que havia alguns livros disponíveis para os clientes. Achou a iniciativa interessante, embora questionasse se o álcool funcionaria bem como companhia às páginas.
Era raro ter tempo disponível, mas com um aviso de corte programado da energia elétrica voltar para casa se mostrava inconveniente. Imagine só o pesadelo de ficar sem ar condicionado por horas!?
Enquanto devaneava sobre fatos recentes e antigos, aproveitou o arremedo de biblioteca à disposição, escolheu um livro sobre o ofício de tradutor, alimentando o sonho vago de abandonar o emprego e poder se recolher num espaço quieto com suas páginas e ideias. Trabalhar com tradução se afigurava como alternativa para continuar pagando o financiamento do imóvel caso tivesse coragem de abandonar a contabilidade.
Durante esses devaneios não costumava ponderar seu conhecimento limitado de outras línguas e a falta de qualquer vivência fora do país que pudesse auxiliar nos momentos em que uma expressão regional o colocasse em xeque. Passeou pelos capítulos sem se deter em nenhum.
Quando teve certeza de que não conseguiria se concentrar para a leitura encarou o vaivém das pessoas com a hostilidade sincera que lhe corroía e abandonou o lugar. Desviar dos que olhavam vitrines era rotina para ele e agora, sem dinheiro para um café e sem cafeteria à vista, o caminho se resumia a enfrentar o relógio que demarcava o tempo como exilado de seu território usual. Na rua, observava a vida em movimento, tentando se contaminar do ânimo que o abandonava a cada inverno um pouco mais, nem sempre regressando quando o frio se afastava. As pessoas transitavam indiferentes à sua busca, cheias de propósito no caminhar - umas falando ao telefone para combinar o jantar ou o happy hour; outras andando à toa, de mãos dadas, sem prestar atenção a nada ao redor; e havia ainda aquelas que simplesmente viam o trânsito de dentro dos bares, através de seus copos. Ele fugia do único rumo disponível e se deixava consumir pelo desabrigo, mas teve sorte de embarcar em um ônibus antes de cair a chuva, do contrário molharia o livro que ainda pretendia ler. Uma sorte mesmo, ainda que não soubesse o percurso ou destino daquela linha.